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Dos 6 aos 100: Um encontro de gerações

Foto: Daniel Lins
Por Daniel Lins

Aos dezesseis dias do mês de agosto de 2018, a professora acordou no mesmo horário de sempre, despertada pelo mesmo alarme de sempre e se arrumou para encarar mais um dia de sua rotina de trabalho com a turma de 1º ano do Ensino Fundamental. Só que nesse dia a rotina não seria a mesma de sempre. Nesse dia a professora e seus vinte e quatro alunos seriam os protagonistas de um grande e belo encontro.
E assim foi!

Professora Simone cercada pelos seus alunos e colaboradores no projeto

A professora e suas crianças aprenderam nesse dia uma lição que livro nenhum do mundo pôde ensinar, que nem a melhor teoria pedagógica pôde prever e que o nem melhor método de ensino ou planejamento de aula pôde apresentar.
Nesse dia, a aula foi interdisciplinar, inter-relacional, intergeracional.
Nessa aula, os alunos que ainda não têm nem uma década de vida, se encontraram e receberam amigos com seis, sete, oito e até nove décadas vividas. Sim, AMIGOS!

Um Projeto de Leitura desenvolvido pela professora com a turma do 1º ano A, da Escola Municipal “Dante Egréggio”, com o objetivo inicial de alfabetizar por meio de práticas sociais de leitura e escrita, levou os pequenos protagonistas a encontrarem novos amigos que vivem no Abrigo da Velhice São Vicente de Paulo.

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O projeto IDENTIDADE E INTERGERACIONALIDADE: dos 6 aos 100… se conhecendo e conhecendo o outro (de autoria da professora e assessoria do Especialista em Gerontologia Francisco Claro de Moraes) foi desenvolvido a partir da leitura e exploração de dois livros (selecionados pela professora por tratarem da temática do NOME PRÓPRIO, texto mais significativo para uma criança em processo de alfabetização): A VELHINHA QUE DAVA NOME ÀS COISAS  (Autora: Cynthia Rylant Ilustradora: Kathryn Brown, Editora: Brinque-Book, Tradução: Gilda de Aquino, 1997) e GUILHERME AUGUSTO ARAÚJO FERNANDES (Autora: Mem Fox Ilustradora: Julie Vivas, Editora: Brinque-Book Tradução: Gilda de Aquino, 1995). Ambos também abordam os temas envelhecimento, senilidade, memória, morte, saudades, solidão e institucionalização do idoso.

Professora Simone lê o livro “A velhinha que dava nome às coisas” para as crianças e os idosos no asilo São Vicente de Paula

A professora, apaixonada pela alfabetização, foi dando voz aos alunos durante os meses de desenvolvimento do Projeto de Leitura e se permitindo aprender com crianças de quase quatro décadas de vida a menos que ela. A partir das atividades de alfabetização realizadas em sala de aula, tendo os textos das duas histórias como impulsionadoras e motivadoras, novas etapas do projeto foram se delineando. Muitas coisas aconteceram. As vozes dos pequenos permitiram que o projeto tomasse proporções bem maiores do que as pretensões iniciais.  

O carinho que foi crescendo em relação aos idosos já não tinha mais como ficar entre as quatro paredes da sala de aula e nem entre os muros da escola…. ele vazou! Explodiu! Transbordou!
Primeiramente ocorreu a troca de cartas durante o mês de abril. Nessa atividade, cada aluno escreveu sua carta para um “vovô” ou uma “vovó” do Abrigo que já não mais recebia visitas.  Os nomes dos destinatários foram selecionados pela equipe do Abrigo. Após a entrega das cartas pelo grande parceiro do projeto, o carteiro Felipe de Souza Silveira, os avôs e avós escreveram suas respostas aos alunos. As cartas de respostas, também trazidas pelo Felipe, foram lidas e saboreadas em sala de aula. Cada família teve acesso à carta recebida e várias delas registraram lindos depoimentos sobre a emoção que a carta havia provocado.

O carteiro Felipe de Souza Silveira recebe uma recepção calorosa das crianças.

Em seguida, houve uma emocionante visita das crianças aos idosos, no Abrigo. No dia dez de maio, crianças e idosos deixaram de ser remetentes e destinatários desconhecidos e passaram a ser amigos, de carne, osso e alma. Foi um encontro emocionante. Todo programado, mas repleto de surpresas, lágrimas e risos. As crianças, despidas de preconceitos, beijaram e abraçaram seus “vovôs e vovós” como se já os conhecessem de longas dadas. Os idosos aproveitaram cada momento daquele encontro e se permitiram alegrar-se com a presença dos novos e pequenos amigos.

As crianças apresentam uma pequena peça de teatro para os idosos.

Os pais e mães dos alunos também abraçaram o projeto e passaram a fazer visitas em famílias aos vovôs e vovós das cartas aos finais de semana no Abrigo.
E como encerramento, nesse inesquecível dia 16 de agosto, os alunos receberam na escola os seus amigos mais experientes de vida, com um belo chá da manhã, concebido, organizado e preparado pelas crianças e pela professora, com o apoio de toda a escola e das famílias.

Se nesse dia um termômetro pudesse medir os níveis de carinho, respeito, amizade, tolerância, paciência, admiração, proximidade, os marcadores atingiriam os níveis máximos. O encontro entre gerações – crianças de seis e sete anos do 1º ano da uma escola pública e idosos institucionalizados – quebrou barreiras, rompeu paradigmas, trouxe alegrias, provocou emoções, ensinou lições.
Idosos e crianças caminhando juntos, dançando, conversando. Os pequenos hoje foram grandes anfitriões. Os idosos foram cuidados e paparicados como crianças. E a professora?  A professora somente fechou os olhos e agradeceu a Deus por aquela oportunidade rara, única, inigualável.

E agora um pouco mais calma, menos eufórica, mas ainda rindo sozinha, ela escreve esse texto pra contar pra todo mundo que além de todos esses desdobramentos maravilhosos desse Projeto de Leitura, os resultados das avaliações de desempenho dos alunos a deixaram sem palavras e até sem sono. Teve dificuldade pra dormir na noite em que acabou de corrigir as avaliações porque não conseguia acreditar no que estava vendo.
A turminha avançou absurdamente no processo de alfabetização. Os resultados mostram que é possível sim, fazer uma alfabetização com sentido, sem uso de cartilhas, sem listas infindáveis de famílias silábicas, papeis horrivelmente mimeografados e textos sem sentido. Que é possível alfabetizar dentro de situações de letramento lendo textos de verdade, escrevendo bilhetes pra direção da escola, cartas e envelopes pra idosos de um abrigo, produzindo recitais, cardápio, convite e lendo poesias e livros em momentos mágicos e agradáveis. Que é possível alfabetizar sem manter crianças o tempo todo em silêncio numa sala de aula e sem tem que estar todo o tempo dentro da sala de aula. Que é possível alfabetizar quando se está no parque, na praça, no pátio ou servindo chá para idosos. Que é possível alfabetizar quando se sorri para as crianças e com as crianças. Que alfabetização é possível quando a criança é tão protagonista do processo quanto o professor.
E assim a professora encerra esse texto porque já precisa começar a pensar e rascunhar o novo projeto de leitura. A turma já perguntou: “E agora, prô? Qual será nossa nova aventura?”

As crianças se despedem dos idosos após a atividade na escola.

 

A professora (e autora do texto) é Simone Gonçalves Reganhan, uma pedagoga, apaixonada pela educação, vidrada pelo processo de alfabetização, encantada por crianças e agora, fisgada pela senilidade.
E que também aproveita desse espaço pra agradecer a todos que colaboraram e acreditaram neste projeto!

Fotos: Daniel Lins

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